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[gtCD] Re: um breve estudo acerca dos sonhos


Nosso interesse pelos sonhos foi despertado durante a participação no I Festival Internacional de Tecnoxamanismo, em Arraial D'Ajuda-BA, 2014, que propunha a revelação compartilhada dos sonhos como parte da sua metodologia. Compartilhamos a descrição dos sonhos pelo período de um ano, via internet. Essa prática foi estimulada e seguida pelos participantes do Laboratório de Corpo-Criação-Performance-Interferência, por um longo período. A descrição dos sonhos nos interessa, a princípio, pelos seus aspectos criativos e por sua produção inconsciente, além do autoconhecimento. Apesar da fragmentação das imagens oníricas, observamos uma unidade nos temas, no decorrer do tempo, que refletiam questões recorrentes na vida individual e coletiva dos sonhadores. Em nossas experiências, observamos uma espécie de edição consciente dos sonhos no ato da descrição escrita e, portanto, uma interferência do logos, seja como sujeito da razão ou da linguagem, desde a racionalidade da palavra até os julgamentos acerca dos próprios sonhos, que poderiam induzir a uma autocensura. Por isso recomendamos que os sonhos sejam descritos imediatamente ao despertar, com o mínimo de influências da consciência objetiva, e de maneira automática, à maneira dos surrealistas, buscando, ainda, recordar o máximo dos detalhes, tal como a descrição densa, na etnografia.

Peter Burke afirma a existência de uma história social dos sonhos possibilitada pelas suas camadas de significação social, pessoal e universal. Para ele, tal história teria sido implicitamente negada pelo que poderia se chamar teoria clássica dos sonhos, elaborada por Jung e Freud, segundo os quais existiriam dois níveis de significação dos sonhos, um individual e outro universal, além de uma analogia entre os sonhos e os mitos. Os antropólogos teriam sido responsáveis por atribuir um significado social aos sonhos. O pioneiro J. S. Lincoln aponta que nas culturas ditas primitivas se sonhavam dois tipos de sonhos, ambos de significado social: o primeiro, constituído por sonhos espontâneos ou individuais, em que apenas seu conteúdo manifesto refletia a cultura; o segundo, o sonho de modelo social, se relacionava a um esteriótipo estabelecido pela cultura. Diversos estudiosos teriam concorrido para as hipóteses de Lincoln, de que os sonhos são modelados de duas formas pela sociedade a que pertence aquele que sonha: os símbolos dos sonhos podem ter um significado específico no seio de uma dada cultura, considerando um círculo em que os mitos criam os sonhos e os sonhos conferem autenticidade aos mitos, contribuindo para a continuidade cultural; o conteúdo latente dos sonhos seria, em parte, moldada pela cultura do sonhador, lidando com suas tensões, ansiedades e conflitos. Burke adverte os historiadores dos sonhos para algumas questões, como: prestar atenção a qualquer coisa que os sonhos dizem acerca do indivíduo que sonha; lembrar que eles não têm acesso direto aos sonhos e, sim, à sua narração por escrito, modificada pelo pensamento pré-consciente ou consciente durante o processo de recordação e descrição, cuja elaboração secundária seria reveladora dos problemas e da personalidade tanto do sonhador quanto do sonho; saber que eles não dispõem das associações do sonhador relativas às circunstâncias dos sonhos. Para Burke, o estudo das alterações do conteúdo manifesto dos sonhos numa sociedade e numa época deve revelar as modificações nos mitos e nas imagens que teriam sido psicologicamente eficazes ou pertinentes. Os sonhos, para Burke, tal como as piadas, utilizariam indiretamente aquilo que está inibido e reprimido. Raros historiadores ou antropólogos teriam se debruçado sobre os sonhos, como E. R. Dodds, que escreveu sobre os sonhos dos gregos, na Antiguidade, tratando-os como visões correspondentes a esteriótipos culturais, Alain Besançon, que fez uma análise dos sonhos na literatura russa, e Dorothy Eggan, que estudou os sonhos dos índios Hopi. Burke sugere que, enquanto não for estabelecido um modelo de categorias transculturais para o estudo dos sonhos, seria preferível distinguir categorias úteis para a cultura que se estuda. Ele observa alguns temas recorrentes na história social dos sonhos europeus, como a morte, a igreja, os reis, as guerras e os ferimentos do sonhador, bem como uma relativa frequência de sonhos políticos, sugerindo o alcance profundo e a pertinência emocional das preocupações dessa natureza. Burke observa uma analogia entre os sonhos do século XVII e de certas sociedades tribais, bem como um deslocamento de símbolos públicos para símbolos pessoais, no Ocidente, desde aquele século aos nossos dias, o que teria refletido tanto nas alterações dos temas do romance e do teatro como nos sonhos. Burke cita, ainda, a Chave dos Sonhos, de Artemidoro, os Sueños, de Quevedo e o Somnium, de Kleper, cujas visões são consideradas por ele como produções conscientes enquadráveis no gênero literário dos sonhos, além dos registros oníricos de Gerolamo Cardano, Emmanuel Swedenborg, Celline, Elia Ashmole, Ralph Josselin, William Laud, Samuel Sewall, entre outros.


Tal como a abordagem história e a necessidade de um estudo transcultural dos sonhos, colocadas por Burke, esse é um tema em diversas áreas do conhecimento, além psicologia, como a fenomenologia, a filosofia pós-estruturalista e a antropologia, através de autores como Gaston Bachelard, Michel Foucault e Augé Marc, respectivamente, entre outros.


Em 25 de maio de 2016 16:30, morgana poiesis <morganapoiesis@gmail.com> escreveu:

Nosso interesse pelos sonhos foi despertado durante a participação no I Festival Internacional de Tecnoxamanismo, em Arraial D'Ajuda-BA, 2014, que propunha a revelação compartilhada dos sonhos como parte da sua metodologia. Praticamos a descrição compartilhada dos sonhos pelo período de um ano, via internet. Essa prática foi estimulada e seguida pelos participantes do Laboratório de Corpo-Criação-Performance-Interferência, por um longo período. A descrição dos sonhos nos interessa, a princípio, pelos seus aspectos criativos e por sua produção inconsciente. Apesar da fragmentação das imagens oníricas, observamos uma unidade nos temas, no decorrer do tempo, que refletiam questões recorrentes na vida individual e coletiva dos sonhadores. Em nossas experiências, observamos uma espécie de edição consciente do sonhos no ato da descrição escrita e, portanto, uma interferência do logos, seja como sujeito da razão ou da linguagem, desde a racionalidade da palavra, até os julgamentos acerca dos próprios sonhos, que poderiam induzir a uma autocensura. Por isso recomendamos que os sonhos sejam descritos imediatamente ao despertar, com o mínimo de influências da consciência objetiva, e de maneira automática, à maneira dos surrealistas, buscando, ainda, recordar o máximo dos detalhes, tal como a descrição densa, na etnografia.


Peter Burke afirma a existência de uma história social dos sonhos possibilitada pelas suas camadas de significação social, pessoal e universal. Para ele, tal história teria sido implicitamente negada pelo que poderia se chamar teoria clássica dos sonhos, elaborada por Jung e Freud, segundo os quais existiriam dois níveis de significação dos sonhos, um individual e outro universal, bem como uma analogia entre os sonhos e os mitos. Os antropólogos teriam sido responsáveis por atribuir um significado social aos sonhos. O pioneiro J. S. Lincoln aponta que nas culturas ditas primitivas se sonhavam dois tipos de sonhos, ambos de significado social: o primeiro, constituído por sonhos espontâneos ou individuais, em que apenas seu conteúdo manifesto refletia a cultura; o segundo, o sonho de modelo social, se relacionava a um esteriótipo estabelecido pela cultura. Diversos estudiosos teriam concorrido para as hipóteses de Lincoln, de que os sonhos são modelados de duas formas pela sociedade a que pertence aquele que sonha: os símbolos dos sonhos podem ter um significado específico no seio de uma dada cultura, considerando um círculo em que os mitos criam os sonhos e os sonhos conferem autenticidade aos mitos, contribuindo para a continuidade cultural; o conteúdo latente dos sonhos seria, em parte, moldada pela cultura do sonhador, lidando com suas tensões, ansiedades e conflitos. Burke adverte os historiadores dos sonhos para algumas questões, como: prestar atenção a qualquer coisa que os sonhos dizem acerca do indivíduo que sonha; lembrar que eles não têm acesso direto aos sonhos e, sim, à sua narração por escrito, modificada pelo pensamento pré-consciente ou consciente durante o processo de recordação e descrição, cuja elaboração secundária seria reveladora dos problemas e da personalidade tanto do sonhador quanto do sonho; saber que eles não dispõe das associações do sonhador relativas às circunstâncias dos sonhos. Para Burke, o estudo das alterações do conteúdo manifesto dos sonhos numa sociedade e numa época deve revelar as modificações nos mitos e nas imagens que, na época, teriam sido psicologicamente eficazes ou pertinentes. Os sonhos, para Burke, tal como as piadas, utilizariam indiretamente aquilo que está inibido e reprimido. Raros historiadores ou antropólogos teriam se debruçado sobre os sonhos, como E. R. Dodds, que escreveu sobre os sonhos dos gregos da Antiguidade, tratando-os como visões correspondentes a esteriótipos culturais, Alain Besançon, que fez uma análise dos sonhos da literatura russa, e Dorothy Eggan, que estudou os sonhos dos índios Hopi. Burke sugere que, enquanto não for estabelecido um modelo de categorias transculturais para o estudo dos sonhos, seria preferível distinguir categorias úteis para a cultura que se estuda. Ele observa alguns temas recorrentes na história social dos sonhos europeus, como a morte, a igreja, os reis, as guerras e os ferimentos do sonhador, bem como uma relativa frequência de sonhos políticos, sugerindo o alcance profundo e a pertinência emocional das preocupações dessa natureza. Burke sugere uma analogia entre os sonhos do século XVII e de certas sociedades tribais, bem como um deslocamento de símbolos públicos para símbolos pessoais, no Ocidente, desde aquele século aos nossos dias, o que teria refletido tanto nas alterações dos temas do romance e do teatro como nos sonhos. Burke cita, ainda, a Chave dos Sonhos, de Artemidoro, os Sueños, de Quevedo e o Somnium, de Kleper, cujas visões são consideradas por ele como produções conscientes enquadráveis no gênero literário dos sonhos, além dos registros oníricos de Gerolamo Cardano, Emmanuel Swedenborg, Celline, Elia Ashmole, Ralph Josselin, William Laud, Samuel Sewall, entre outros.


Além da abordagem história e da necessidade de um estudo transcultural dos sonhos, colocadas por Burke, o sonho é tema de reflexão em diversas áreas do conhecimento, além da psicologia, como a fenomenologia, a filosofia política, e a antropologia, através de autores como Gaston Bachelard, Michel Foucault e Augé Marc, respectivamente.



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Morgana Poiesis

Comunicóloga, artista, gestora cultural e pesquisadora.

Agenciadora do Laboratório de Corpo-Criação-Performance-Interferência/PROEX/UESB

Doutoranda em Performances Culturais (UFG), mestre em Artes Cênicas (UFBA), especialista em Comunicação e Política e graduada em Comunicação Social (UESB)




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Morgana Poiesis

Comunicóloga, artista, gestora cultural e pesquisadora.

Agenciadora do Laboratório de Corpo-Criação-Performance-Interferência/PROEX/UESB

Doutoranda em Performances Culturais (UFG), mestre em Artes Cênicas (UFBA), especialista em Comunicação e Política e graduada em Comunicação Social (UESB)

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