Ois,
segue em anexo, a quem interessar, a nova proposta de "legalização do compartilhamento", da qual discordo e apresento brevemente abaixo algumas considerações sobre o tema.
É hora de retomar o pensamento radical, pois se a ministra do Ecad se foi, resta ainda muito que fazer para influenciar a nova gestão do nosso ministério da cultura. Todxs ao front!
abz,
9s
---------- Mensagem encaminhada ----------
De: Thiago Novaes <tnovaes@gmail.com>
Data: 26 de novembro de 2012 15:00
Assunto: Re: [sociedade-civil] Legalização do Compartilhamento/P2P
Caro Jorge,
Obrigado pelo envio do projeto: é de fato instigante ler, desde um ponto de vista "real politik", uma proposta que visa "legalizar" o compartilhamento de bens culturais na Internet.
Permita-me, no entanto, apresentar alguns problemas conceituais na proposta que, a meu ver, mantém-se presa ao modo de funcionamento das indústrias culturais do século XIX e XX, com um entendimento sobre a técnica muito pouco razoável.
Embora o texto pretenda expor sobre as redes p2p, trata ainda da noção de troca, típica do modo de funcionamento de bens tangíveis, cuja natureza é totalmente distinta dos bens intangíveis (os advogados usam o conceito de bens móveis). Compartilhar (bens comuns) não é fazer um arquivo sair de um lugar e ir para outro, mas alimentar uma nuvem de dados, de acesso universal. A especificidade técnica do BitTorrent é justamente tornar abundante o que era escasso, pois quanto mais se faz download, mais rápido e mais disponível para cópia está o arquivo. Ademais, a cópia (perfeita) não é realizada de um único ponto para outro, mas se vale da disponibilidade da rede, pegando pedaços do arquivo de várias sementes e reconstituindo na ponta o arquivo inteiro. Assim, falar em troca de arquivos entre redes p2p é projetar sobre a abundância da gratuidade uma necessidade de reconhecimento, tipicamente liberal, como quando o Lobão numerava seus cds (tangíveis) pro Ecad não lhe roubar.
A noção de autor também se refere a um tempo onde a divisão das sensibilidades (jacques rancière) era muito mais forte, fazendo-se crer que a pessoa nasce com talentos "inatos", em um determinismo biológico que se associava facilmente à uma ideia de gênio, de criação genial praticamente "do nada". Mozart era filho de músico, sua irmã mais velha também tocava muito bem e tudo que seu pai queria era o sucesso do reconhecimento de sua prole pela rainha e sua corte, já que ele mesmo não obtivera tal êxito... mas foi o travesso menino que sentou no colo da rainha e que ajudou a fundar o mito do ser elevado, anti-social que autoriza o artista a suas manias de camarim... ("sociologia de um gênio", norbert elias).
O remix, então, não é a mera recombinação de "pedaços" de bens culturais, mas sim a cultura ela mesma, potente, onde se nutre a criação e a comunicação do que é criado. Que noção de autor se espera mobilizar sobre tudo que está disponível no youtube, nos repositórios de fotos, de música...? Gramsci dizia que todo homem é filósofo. Para Nietzsche, a saída é a arte. A quem interessa que o "todo mundo artista" não vigore no século XXI?
Voltando ao velho mouro, parece mesmo que estamos vivendo tempos revolucionários, onde o anonimato vem promovendo o avanço exponencial das forças produtivas da cultura, entrando em contradição com as relações de produção do passado. Aliás, não entendi como pretendem contabilizar as gotas d'água de nossas nuvens quando elas estão protegidas pelo anonimato, pela criptografia, pela esteganografia? Só será artista aquele que for consumido sem proteção contra a invasão de privacidade?
Por fim, o pagamento de 0,50 é super módico, mas se mostrará, a meu ver, ineficaz, funcionando para tentar reproduzir sobre relações digitais um tipo de reconhecimento que já foi banido por várias redes, vide Anonymous, WikiLeaks, WikiPedia e BiTorrent.
Seguimos!
há braços,
Thiago
-- De: Thiago Novaes <tnovaes@gmail.com>
Data: 26 de novembro de 2012 15:00
Assunto: Re: [sociedade-civil] Legalização do Compartilhamento/P2P
Caro Jorge,
Obrigado pelo envio do projeto: é de fato instigante ler, desde um ponto de vista "real politik", uma proposta que visa "legalizar" o compartilhamento de bens culturais na Internet.
Permita-me, no entanto, apresentar alguns problemas conceituais na proposta que, a meu ver, mantém-se presa ao modo de funcionamento das indústrias culturais do século XIX e XX, com um entendimento sobre a técnica muito pouco razoável.
Embora o texto pretenda expor sobre as redes p2p, trata ainda da noção de troca, típica do modo de funcionamento de bens tangíveis, cuja natureza é totalmente distinta dos bens intangíveis (os advogados usam o conceito de bens móveis). Compartilhar (bens comuns) não é fazer um arquivo sair de um lugar e ir para outro, mas alimentar uma nuvem de dados, de acesso universal. A especificidade técnica do BitTorrent é justamente tornar abundante o que era escasso, pois quanto mais se faz download, mais rápido e mais disponível para cópia está o arquivo. Ademais, a cópia (perfeita) não é realizada de um único ponto para outro, mas se vale da disponibilidade da rede, pegando pedaços do arquivo de várias sementes e reconstituindo na ponta o arquivo inteiro. Assim, falar em troca de arquivos entre redes p2p é projetar sobre a abundância da gratuidade uma necessidade de reconhecimento, tipicamente liberal, como quando o Lobão numerava seus cds (tangíveis) pro Ecad não lhe roubar.
A noção de autor também se refere a um tempo onde a divisão das sensibilidades (jacques rancière) era muito mais forte, fazendo-se crer que a pessoa nasce com talentos "inatos", em um determinismo biológico que se associava facilmente à uma ideia de gênio, de criação genial praticamente "do nada". Mozart era filho de músico, sua irmã mais velha também tocava muito bem e tudo que seu pai queria era o sucesso do reconhecimento de sua prole pela rainha e sua corte, já que ele mesmo não obtivera tal êxito... mas foi o travesso menino que sentou no colo da rainha e que ajudou a fundar o mito do ser elevado, anti-social que autoriza o artista a suas manias de camarim... ("sociologia de um gênio", norbert elias).
O remix, então, não é a mera recombinação de "pedaços" de bens culturais, mas sim a cultura ela mesma, potente, onde se nutre a criação e a comunicação do que é criado. Que noção de autor se espera mobilizar sobre tudo que está disponível no youtube, nos repositórios de fotos, de música...? Gramsci dizia que todo homem é filósofo. Para Nietzsche, a saída é a arte. A quem interessa que o "todo mundo artista" não vigore no século XXI?
Voltando ao velho mouro, parece mesmo que estamos vivendo tempos revolucionários, onde o anonimato vem promovendo o avanço exponencial das forças produtivas da cultura, entrando em contradição com as relações de produção do passado. Aliás, não entendi como pretendem contabilizar as gotas d'água de nossas nuvens quando elas estão protegidas pelo anonimato, pela criptografia, pela esteganografia? Só será artista aquele que for consumido sem proteção contra a invasão de privacidade?
Por fim, o pagamento de 0,50 é super módico, mas se mostrará, a meu ver, ineficaz, funcionando para tentar reproduzir sobre relações digitais um tipo de reconhecimento que já foi banido por várias redes, vide Anonymous, WikiLeaks, WikiPedia e BiTorrent.
Seguimos!
há braços,
Thiago
2012/11/24 Jorge Machado <machado@usp.br>
Olá gente,
A quem interessar, segue um trabalho apresentado sobre proposta de legalização do Compartilhmento/P2P no Brasil. Ela se baseia naquela última do http://www.compartilhamentolegal.org/ , mas ao invés de R$ 3,00 mensais na banda larga, sugere módicos R$ 0,50 e aponta para a possibilidade de repasse para ampliação da banda larga em áreas carentes, além do fundo de diversidade e a supervisão pública. Verão que não se aprofunda em muitas questões importantes com a arrecadação e a distribuição (apesar de termos algumas sugestões sobre isso), pois a ideia é levantar a bola para a debate, principalmente agora que temos a mudança no MinC.
Comentários são bem-vindos (sugiro mandar em pvt, para não encher o mailbox do pessoal).
Bom findi!
Abs.,
Jorge
GPOPAI
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Esse grupo está ligado ao Movimento Cultura Digital:
http://culturadigital.br/movimento
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