REFLEXOS TRANS.LÚCIDOS
QUEREMOS SABER
(Gilberto Gil)
queremos saber
o que vão fazer
com as novas invenções
queremos notícia mais séria
sobre a descoberta da antimatéria
e suas implicações
na emancipação do homem
das grandes populações
homens pobres das cidades
das estepes, dos sertões
queremos saber
quando vamos ter
raio laser mais barato
queremos de fato um relato
retrato mais sério
do mistério da luz
luz do disco-voador
pra iluminação do homem
tão carente e sofredor
tão perdido na distância
da morada do Senhor
queremos saber
queremos viver
confiantes no futuro
por isso de faz necessário
prever qual o itinerário da ilusão
a ilusão do poder
pois se foi permitido ao homem
tantas coisas conhecer
é melhor que todos saibam
o que pode acontecer
Dos dias 23 a 30 de abril de 2014, o Laboratório de Corpo-Criação-Performance-Interferência participou do I Festival Internacional de Tecnoxamanismo, em Arraial D'Ajuda-BA. Durante esse período ficamos imersos em uma floresta, entre o sítio do Instituto de Tecnologia Alternativa, Permacultura e Ecologia- ITAPECO, e a Casa de Barro, que ficavam a 1,5 km de distância entre si, e a alguns quilômetros da Vila. Vivemos 8 dias de intensa experimentação sinestésica nessas habitações coletivas, com produções diversificadas, como culinária, rádio livre, geodésica para comunicação não verbal, terreiro eletrônico com projeções de imagens e sons, videomapping nas árvores, performances individuais e coletivas, cena queer, fogueira, rituais alucinógenos e produção de conhecimento oral.
Viajamos cerca de 8 horas, em uma van da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, a qual o LCCPI está vinculado. Desde a nossa chegada, percebemos a mudança climática e ambiental, do frio seco do sertão urbano à atmosfera quente e úmida da floresta litoral. O deslocamento espacial favorecia a imersão e implicava uma nova temporalidade, Áion, o tempo da experiência e da criação. A expansão das dimensões espaço-temporais haveriam de nos levar a problematizações do ritmo de produção industrial ao qual estamos condicionados, para os processos criativos simultâneos proporcionados por um método rizomático de produção. O LCCPI estava diluído no processo do Festival, compartilhávamos de uma mesma condição metodológica, na qual atuávamos de forma caótica e dispersa. A Rede Social foi executada em um fluxo instantâneo, após o jantar, na quinta noite de imersão. Trata-se de uma rede de nalion 13x5m, sustentada por um corpo coletivo em uma dança improvisada, aberta para participação do público. A Rede Social produz um ambiente relacional e interativo, um espaço-tempo de alteridade através da relação dos corpos em movimento com a estrutura da rede e a dinâmica do espaço. O jogo produzido pela disposição dos corpos na rede e da rede no espaço corresponde a uma subjetividade compartilhada pela experiência da alteridade como resistência ao modelo individualista do sistema dominante, além da ressignificação dos espaços e seus usos. Iniciamos a performance na geodésica da comunicação não verbal, onde estava a rede que fora levada por um dos nossos colaboradores, em uma performance anterior, Nus que aqui estamos por vós esperamos. Abrimos nosso ritual com sons produzidos com os instrumentos disponíveis no local, e com os nossos corpos em movimentos e grunidos. Deixamos a geodésica imersos na Rede, atravessamos o campping onde estavam algumas pessoas que nos auxiliaram a desprender a rede dos pedaços de troncos e pedras pelo chão, nos aproximamos do terreiro eletrônico, onde-quando começamos a interagir com uma sonoridade suave e projeções de luz em movimento, coloridas imagens sobre nossos corpos em rede. Os registros audiovisuais da Rede Social foram projetados nas performances subsequentes dos artistas do LCCPI, como As travecas da floresta, em um ciclo descontínuo de produção. A Rede Social já havia sido experimentada na noite anterior a essa performance, e estivera instalada entre as árvores, durante os dias do Festival. O Perfil sugerido pelo LCCPI referia-se ao desempenho individual de cada colaborador do Laboratório durante o festival, onde se revelavam a autonomia de cada corpo e suas singularidades expressivas. Esses processos se multiplicam em cada produção posterior, cartografias sobre ou a partir das experiências individuais que constituem nossa desorganização coletiva. A produção do LCCPI estava, também, diluída na arte e ciência da culinária à qual recorremos para a invenção do cotidiano como prática de resistência. Multiplicamos nossas pinturas corporais com as sementes de urucum colhidas no caminho da viagem, à maneira dos Pataxós, nossos parentes.
Durante o Festival, experimentamos um modo de nos organizar coletivamente e admitir uma convivência com novos laços sociais, que nos levaram a choques de hábitos e valores. A intolerância à diferença se sobressaía aos discursos proféticos de um falso paraíso, contaminado pelos ruídos da nossa subjetividade superdotada de informações indispensáveis, e necessidades produzidas pela cultura da cidade e consumo.
As novas tecnologias estariam estimulando meios de individuação através de equipamentos para uso pessoal e comunicação indireta, no tempo-espaço virtual? A internet tem mediado articulações sociais descentralizadas, seja para contatos interpessoais ou movimentos de maior dimensão, como ocupações de rua, festivais e encontros? A diversidade das expressões virtuais estariam condicionadas à diversidade dos usuários da rede? O acesso às novas tecnologias da informação e comunicação determinariam, em alguma medida, o uso dessas ferramentas? A apropriação técnica poderia nos levar a níveis mais elaborados de magia? Estaríamos experimentando novos meios e ritmos de produção, através de uma outra relação com o espaço-tempo e com as condições tradicionais do trabalho formal? A técnica, não seria, em si, apenas uma ferramenta potencial à serviço das forças em jogo, no qual observamos a reprodução da lógica sócio-política-econômica hegemônica, diga-se, capitalista, com novos monopólios e mecanismos de controle? Elas não seriam impassíveis qualificações, a priori, para além do bem e do mal? As novas tecnologias estariam colaborando para a produção de uma subjetividade fragmentada e polifônica, bem como de uma realidade concreta? O espaço-tempo virtual nos levaria ao paradoxo, por excelência, na medida em que se constitui como jogos de presença-ausência em uma esfera público-privada? A cultura digital alteraria o comportamento das pessoas ou as características elementares de uma determinada cultura ou revelaria apenas uma expansão desses modos, como a brasilidade emergente nas redes, que teria sido estimulada pelas políticas públicas federais implementadas na primeira década deste século, com uma relativa apropriação da população brasileira? Curiosamente as conversas sobre a cultura digital no Brasil, na rádio livre Itapeco, nos levaram à atualização das nossas questões históricas, a saber, coloniais e escravocratas.
A partir das provocações do Festival, deixamos e levamos essas dúvidas, a respeito do xamanismo digital, tomando como referência a nossa experiência cotidiana e imersiva, sem pretensões racionalistas. O conceito Tecnoxamanismo nos parece, ainda, obscuro, não sabíamos, ao certo, por que estávamos ali, havia um entrelaçamento de desejos, interesses e linguagens. Talvez estejamos fartos de tanto conhecimento acumulado, não queremos mais saber. Somos, ainda, aprendizes de feiticeiros, observamos os astros, nossa alquimia é misturar culturas e imaginários afro-indígenas, budistas, cristãos, entre outras tradições, com as novas tecnologias digitais, buscamos o investimento presencial do corpo em performances individuais e coletivas, a alteração dos estados da percepção e consciência, somos a crise da humanidade que agoniza com a natureza, remanescentes medievais.
http://morganapoiesis.wikispaces.com/
http://escritosobreteatro.blogspot.com/
--
Essa mensagem foi postada no grupo: http://groups.google.com/group/gtculturadigital?hl=pt?hl=pt-BR
Esse grupo está ligado ao Movimento Cultura Digital:
http://culturadigital.br/movimento
---
Você recebeu essa mensagem porque está inscrito no grupo quot;GT Cultura Digital" dos Grupos do Google.
Para cancelar inscrição nesse grupo e parar de receber e-mails dele, envie um e-mail para gtculturadigital+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, acesse https://groups.google.com/d/optout.
0 comentários:
Postar um comentário